quinta-feira, 19 de março de 2009

A M O L G A D E L A

José Gil, o pensador! Difícil, denso, criativo. Em cada linha esboço um sorriso de contentamento, tento respirar entre capítulos, mas é tenso!
Identifico-me, pronto, disse…
Aqui fica uma amostra do que este livro poderá fazer: mói e destrói conceitos. É bom ver que não estamos sozinhos no meio dos iguais.
Identifico-me, pronto, disse…


“E se tudo se desenrola sem que os conflitos rebentem, sem que as consciências gritem, é porque tudo entra na impunidade do tempo - como se o tempo trouxesse, imediatamente, no presente, o esquecimento do que está à vista, presente.
Como é isto possível? É possível porque as consciências vivem no nevoeiro.
O que é o nevoeiro? Ele é a causa da não-inscrição ou esta existe por efeito daquele? É impossível responder a esta questão. Existiria antes uma dupla causalidade recíproca a partir de um trauma «inicial», ele próprio resultado da convergência e da acumulação de muitos pequenos acontecimentos traumáticos que fugiram à inscrição (histórica, social e individual). Qualquer coisa como um Alcácer-Quibir que se recusa a aceitar e de onde nasceu o nevoeiro. Não o da lenda, que é futuro e lugar de epifania, mas uma neblina presente que se apodera do interior da consciência e a rói, sem que ela dê por isso. Um «branco psíquico», ou melhor,uma multiplicidade de brancos psíquicos atravessam a consciência clara, de tal maneira que, sem que ela se aperceba, formam-se as maiores obscuridades e confusões. É o branco psíquico inconsciente esfarelando, fragmentando a consciência em mil bocados, cada um deles,no entanto, plenamente consciente no seu campo obrigatório. (...)

O nevoeiro é o plano invisível de não-inscrição. Pode parecer estranho defini-lo como um plano e não como um volume, mas não se trata de conceber a melhor analogia de formas, mas sim de funções: o nevoeiro, ou sombra branca, não constitui, por exemplo, um «meio» ou uma atmosfera. Estas são vividas pelo sujeito enquanto aquele designa um estrato inconsciente que se aloja na consciência (na linguagem, nas imagens, nos afectos, nas sensações). É um plano porque é um buraco, uma lacuna, um branco onde faltou uma inscrição na consciência e no discurso. O que provoca transformações radicais no comportamento e no pensamento do sujeito. "

GIL José, PORTUGAL, Hoje: O Medo de existir, Relógio D`Água Editores, Novembro 2004

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